Aposentadoria da pessoa com deficiência e os prejuízos acarretados
pela mora legislativa*
*Diego Franco, advogado
Resumo: O presente artigo tem o objetivo de elucidar os prejuízos acarretados pela mora
legislativa às pessoas portadoras de deficiência que se aposentaram através do RGPS antes
da edição da Lei Complementar n. 142/2013
Abstract: This article aims to elucidate impairments caused by the legislative live with
disabilities who retired through the RGPS before the issue of Complementary Law n.
142/2013
Palavras-chave: Direito Previdenciário. Aposentadoria da Pessoa Portadora de Deficiência.
Lei Complementar n. 142.2013. Emenda Constitucional n. 47.05
1. Introdução
O presente artigo trata das consequências jurídicas diante da mora legislativa na
regulamentação do direito fundamental social previsto no art. 201, § 1o
da CR/881
, alterado
pela EC n.º 47/2005, que garantiu a adoção de critérios diferenciados para aposentadoria
das pessoas portadoras de deficiência física, mental, intelectual ou sensorial.
A garantia fundamental entrou em vigor após a publicação da EC n.º 47/2005, que por sua
vez teve efeitos retroativos a publicação da EC n.º 41/20032
.
Todavia, a delonga do processo legislativo causou um vácuo normativo entre a referida
Emenda e sua regulamentação, o que ocorreu somente após a edição da Lei Complementar
n.º 142/2013.
O tema traz consigo forte apelo social, pois a omissão legislativa acabou por prejudicar
milhares de pessoas com deficiência que se aposentaram entre 2003 e 2013 e tiveram seus
benefícios achatados pelo fator previdenciário.
2. Histórico Legislativo
Inicialmente, interessante notar a evolução legislativa a respeito do tema, a começar da
Constituição Imperial de 1824, que assim dispunha em seu art. 8, I, verbis:
“Art. 8. Suspende-se o exercicio dos Direitos Politicos
I. Por incapacidade physica, ou moral.”
As Constituições que seguiram também não contemplaram proteção e tratamento
diferenciado às pessoas portadoras de deficiência, o que veio a ocorrer somente em 1988.
Felizmente a civilização tem caminhado para que a pessoa portadora de deficiência torne-se
verdadeiramente sujeito de direitos e obrigações, resgatando sua dignidade e valor.
1
Art. 201. (…)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários
do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que
prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos
definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
2EC 47/05.
Art. 6º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, com efeitos retroativos à data de
vigência da Emenda Constitucional nº 41, de 2003.
3. Emenda Constitucional n.º 47/2005
No tocante à aposentadoria, curioso notar que somente a partir da EC n.º 47/2005 tratou-se
constitucionalmente do tema. As legislações pretéritas leiam-se, LOPS e CLPS nunca
mencionaram o termo “portadores de deficiência”.
A alteração promovida no art. 201, §1º da CR/88 pela EC n.º 47/2005 teve o objetivo de dar
cabo à exceção ao Princípio da Vedação de Critérios Diferenciados.
As exceções enumeram-se, conforme a seguir exposto: i)gênero; ii)trabalhadores rurais;
iii)professores; iv)atividade especial e v)pessoas portadoras de deficiência.
A Constituição prevê uma desigualdade normativa com finalidade de igualar uma situação
fática. São normas afirmativas que resgatam a dignidade do trabalhador, trata-se, em última
análise de uma emancipação civilizatória.
4. Lei Complementar n.º 142/2013
Ato contínuo à publicação da EC n.º 47/2005 que garantiu a aposentadoria das pessoas
portadoras de deficiência, originou-se na Câmara Federal o PLP n.º 277/2005 de autoria do
Deputado mineiro Leonardo Mattos (PV-MG), culminando quase uma década depois na
edição da Lei Complementar n.º 142/2013.
O trabalho do referido parlamentar é digno de nota e merece reconhecimento, ainda que
tardio. Vale destacar o trecho da justificativa do projeto apresentado à época, in verbis:
“Diante da recente alteração promovida pelo Congresso Nacional nos artigos 40
e 201 da constituição Federal, entendemos como medida necessária e urgente
a apresentação do presente projeto de lei complementar que trate dos critérios
de aposentadoria do segurado portador de deficiência. (…)”
Em que pese o nobre esforço do parlamentar, lamentavelmente, a delonga peculiar ao
processo legislativo postergou a efetivação dos direitos fundamentais sociais conquistados
através da EC n.º 47/2005, com efeitos retroativos à EC n.º 41/2003, repita-se.
A referida Lei Complementar regulamentou a aposentadoria por tempo de contribuição e por
idade das pessoas com deficiência, basicamente, reduzindo o tempo de contribuição, idade e
eliminando a aplicação do fator previdenciário do cálculo da renda mensal inicial3
.
A definição de deficiência grave, moderada e leve ficou a cargo da avaliação médica e
funcional a ser realizada pelo INSS, conforme definido pelo Decreto n.º 8.145/13 que
regulamentou a Lei Complementar, além da Portaria Interministerial SDH-MPS-MF-MOGAGU n.º 1 de 27-01-2014.
Possivelmente, o Poder Judiciário enfrentará diversos questionamentos acerca da
aposentadoria da pessoa com deficiência, a saber, critérios objetivos para definição da
deficiência (grave, moderada e leve), acréscimo de 25% para acompanhante e conversão de
tempo de serviço.
5. Os prejuízos acarretados pela mora legislativa
Conforme narrado, desde 2003 há previsão constitucional para aposentadoria das pessoas
com deficiência, porém, tal direito foi regulamentado tão somente em 2013, com a publicação
da LC n.º 142/2013.
O questionamento inevitável é dirigido ao grupo de pessoas com deficiência que se
aposentou por tempo de contribuição neste lapso temporal (2003 a 2013) e foram
submetidas à aplicação do fator previdenciário no cálculo da renda mensal inicial, causando
sensíveis prejuízos financeiros.
3
Se vantajoso, fica facultada a aplicação do fator previdenciário no cálculo da RMI, conforme disposto no art. 9º, I
da LC 142/2013;
Parece razoável adotar o juízo de que a omissão do legislador não pode penalizar aqueles
que, à duras penas, conseguiram reunir tempo de contribuição necessário para se
aposentar.
Afinal, “não há como tratar igualmente, exigindo-se os mesmos requisitos concessórios,
grupos que faticamente se encontram em situação de desigualdade”, explica João Marcelino
Soares4
.
5.1. Aplicação imediata da LC n.º 142/2013
Em síntese, busca-se, portanto, a aplicação imediata da LC n.º 142/13 às aposentadorias por
tempo de contribuição de pessoas com deficiência entre 2003 e 2013.
Aplica-se in casu o mesmo raciocínio desenvolvido pela Min. Cármen Lúcia nos autos do
RE 564.354, verbis: “A pretensão posta na lide respeita à aplicação imediata ou não do novo
teto previdenciário trazido pela EC n. 20-98, e não sua aplicação retroativa. Assim, a meu
ver, não há que se falar em ofensa ao ato jurídico perfeito ou ao princípio da irretroatividade
das leis (…) O acórdão recorrido não aplicou o art. 14 da EC retroativamente, nem mesmo o
fez com base na retroatividade mínima”.
Com a aplicação imediata da LC n.º 142/13 aos benefícios em manutenção, é de se concluir
que seus efeitos financeiros também não atingem a prescrição quinquenal, mas tão somente
as parcelas vencidas a contar da publicação deste diploma legal.
Ao julgar o Mandado de Injunção n.º 2090, o Min. Dias Tofoli sintetizou toda indignação
causada pela mora legislativa, verbis:
“(…) Ocorre, porém, que a mora legislativa existe. E não existe de ontem, mas
se dá num ambiente constitucional instaurado em 1988. Em muitos casos, como
é o presente, são mais de duas décadas de retardo na concreção de normas
magnas, o que traz para o Poder Judiciário o encargo de interferir e, como
inicialmente era levado a efeito, notificar o Legislativo. Com o transcurso de
mais tempo, a postura inicial da Corte não se mostrou suficiente e, desde então,
admitiu-se a conversão da injunção em um instrumento com natureza
tipicamente mandatória, para se valer do anglicismo mandatory.” MI 2090, Min.
Dias Tofolli, 29-03-2012, DJ – Autor: Agenor Pereira Dias Filho
No mesmo sentido, sólida jurisprudência do C. STF, verbis:“(…)Ainda, a
jurisprudência do STF também reconhece o direito à aposentadoria especial dos servidores
públicos portadores de deficiência”.MI-AgR 1596, TEORI ZAVASCKI, STF, 16-05-2013
Portanto, complementando o raciocínio acima, explica o Juiz Federal JOSÉ ANTONIO
SAVARIS: “Muito mais do que realizar o controle de legalidade do ato administrativo, o
exercício da função jurisdicional deve comprometer-se com o acertamento da relação jurídica
de proteção social, e, por consequência, com a integral defesa, promoção e realização
desses direitos fundamentais.”5
Também neste sentido, “Em termos pragmáticos, o que importa destacar, neste contexto, é o
fato de que um direito fundamental não poderá ter a sua proteção e fruição negada pura e
simplesmente por conta do argumento de que se trata de direito positivada como norma
programática e de eficácia meramente limitada, pelo menos não no sentido de que o
reconhecimento de uma posição subjetiva se encontra na completa dependência de uma
interposição legislativa”
6
.
A questão em debate clama acertamento perante o Poder Judiciário, sob pena de se
marginalizarem mais uma vez, os direitos sociais daqueles que mais necessitam.
4
SOARES, João Marcelino. Aposentadoria das Pessoas com Deficiência. 2a
ed., Curitiba: Juruá, 2014. P. 130
5
SAVARIS, José Antonio. Direito Processual Previdenciário. 5ª ed., Curitiba: Alteridade Editora, 2014. P. 121/122
6
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. P. 316
5.2. Ausência de Decadência
No que toca ao prazo decadencial instituído pelo art. 103 da Lei 8.213/91, cabe transcrever o
recente entendimento do C. STJ, verbis:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. NÃO
OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 103 DA LEI 8.213/91.
1. Hipótese em que se consignou que “a decadência prevista no artigo 103 da
Lei 8.213/91 não alcança questões que não restaram resolvidas no ato
administrativo que apreciou o pedido de concessão do benefício. Isso pelo
simples fato de que, como o prazo decadencial limita a possibilidade de controle
de legalidade do ato administrativo, não pode atingir aquilo que não foi objeto de
apreciação pela Administração”.
2. O posicionamento do STJ é o de que, quando não se tiver negado o próprio
direito reclamado, não há falar em decadência. In casu, não houve
indeferimento do reconhecimento do tempo de serviço exercido em condições
especiais, uma vez que não chegou a haver discussão a respeito desse pleito.
3. Efetivamente, o prazo decadencial não poderia alcançar questões que não
foram aventadas quando do deferimento do benefício e que não foram objeto de
apreciação pela Administração. Por conseguinte, aplica-se apenas o prazo
prescricional, e não o decadencial. Precedentes do STJ.
4. Agravo Regimental não provido.
(STJ , Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 08/05/2014,
T2 – SEGUNDA TURMA)
Tal entendimento também foi objeto de apreciação pela Turma Nacional de Uniformização,
através do IU n.º 0514724-71.2010.4.05.8100, o qual seguiu a mesma orientação do C. STJ.
Portanto, salvo melhor juízo, como não houve discussão a este respeito no momento da
concessão do benefício, não incide a hipótese prevista na norma.
6. Conclusão
Portanto, a eficácia imediata dos dispositivos da EC n.º 47/05 com efeitos financeiros a partir
da LC n.º 142/13 devem pautar a presente discussão, sob pena de sacrificar direito social
fundamental, evitando qualquer indiferença aos vitoriosos que conseguem transpor seus
obstáculos para garantir diariamente a subsistência.
Assim, “o Estado deve pautar-se no princípio da máxima efetividade e aplicabilidade imediata
dos direitos fundamentais, visando à concretização da vontade do constituinte, realizando no
seio social os direitos fundamentais sociais, para um desenvolvimento pleno da dignidade da
pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal)”
7
.
A proteção social precisa ser ampliada, demorou-se mais de 150 anos desde a primeira
Constituição Imperial até que o termo “deficiente físico” ganhasse status constitucional. Lutase agora, para que tal discriminação positiva cumpra seu fim, resgatando a dignidade do
trabalhador que, apesar das dificuldades que a vida lhe impôs, ajudou a construir este País.
Por fim, cumpre lembrar Bismarck: “Por mais caro que pareça o seguro social, resulta menos
gravoso que os riscos de uma revolução”.
7
SILVA, Queops de Lourdes Barreto. A aplicabilidade imediata e a eficácia dos direitos fundamentais sociais.
Disponível em http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-aplicabilidade-imediata-e-a-eficacia-dos-direitosfundamentais-sociais,40230.html acessado em 22/05/2015
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